Novo modelo para estudar danos no nervo auditivo
José Pichel Andrés/DICYT Algumas doenças auditivas provocadas por danos no nervo auditivo não podem ser detectadas clinicamente hoje em dia, mas têm implicações funcionais importantes, sobretudo porque impedem que se escute bem em ambientes ruidosos, conforme demonstraram estudos recentes. O Instituto de Neurociências de Castela e Leão (Incyl) da Universidade de Salamanca aporta agora uma teoria para explica o impacto deste dano sobre a audição e uma metodologia para simular o problema e, assim, poder estudá-lo.
“Existem evidências publicadas recentemente que demonstram que tanto o envelhecimento, como a exposição ao ruído, produzem uma redução no número de fibras nervosas existentes no nervo auditivo”, explica a DiCYT Enrique López Poveda, pesquisador responsável por este trabalho. O nervo sadio têm 30.000 fibras nervosas, isso é, “30.000 fios que conduzem informação ao cérebro”, mas com a idade e a exposição ao ruído se perdem de modo irrecuperável.
Essa desenervação poderia afetar a percepção auditiva de forma grave. No entanto, de momento não há estudos clínicos que demonstrem que esse problema existe. “É o típico caso de uma pessoa idosa que diz que não escuta como antes, mas em consulta ao otorrino recebe como resposta que sua audição é perfeita, porque os testes atuais não detectam a patologia”, afirma o especialista.
Pelo modo como opera o nervo auditivo, o impacto deste problema seria maior em ambientes ruidosos do que em silenciosos, por exemplo, quando há várias pessoas em uma conversa, ou quando a televisão está ligada. A pessoa afetada por danos no nervo auditivo é incapaz de distinguir várias fontes de informação, inclusive quando sua audiometria é normal.
Para estudar estas circunstâncias, o Incyl iniciou uma nova linha de pesquisa para abordar o problema. “Realizamos um estudo no qual descrevemos os possíveis mecanismos neuronais pelos quais é possível produzir este dano e que impactos produzem na percepção auditiva”, comenta López Poveda.
Os pesquisadores conseguiram simular os efeitos do dano auditivo em pessoas jovens sem problemas de audição. O sistema empobrece os sons utilizados no teste para que se pareçam à percepção de uma pessoa com este tipo de perda auditiva, e assim se possa analisar o problema com pessoas sadias. “Demonstramos que nas pessoas sadias que escutam sons processados como se o nervo estivesse danificado a audição é tão ruim quanto a de pessoas idosas que, segundo os testes, têm audição sadia, mas na realidade não escutam bem”.
A idéia se baseia em que o nervo auditivo dá uma amostra aleatória do sinal acústico através de milhares de fibras. Ao somar todos os registros, consegue reproduzir o sinal original, mas como a amostra é aleatória, quando se perdem fibras, perde-se também a fiabilidade com a qual se representa este sinal no cérebro. “O efeito é maior quando há ruído, porque ao caráter aleatório da amostragem do som que se pretende escutar, deve-se agregar o caráter aleatório do ruído que o envolve”, indica.
“Através deste modelo de dano auditivo podemos estudar quais condições da vida diária são afetadas por esta patologia. Como é detectado clinicamente, não sabemos qual é seu impacto sobre a audição, mas este modelo não só nos proporciona os mecanismos neuronais pelos quais seria afetada a audição, mas também permite simular a audição em pessoas com este dano”, comenta o especialista.
Repercussão internacional
Os primeiros resultados desta linha de pesquisa serão apresentados em um congresso em Montreal (Canadá) em junho. Até agora o estudo foi realizado sem financiamento específico, mas serviu para iniciar um projeto em colaboração com a Universidade de Manchester (Reino Unido), que acabou de ser concretizado. “Eles pesquisam há dois anos as conseqüências desta desenervação auditiva sobre o funcionamento do cérebro e da percepção. Poder simulá-las agora com pessoas sadias será muito importante para avançar”, indica López Poveda.
O pesquisador do Incyl assegura que este trabalho “dará muito o que falar” e tem muito futuro. “Obrigará a todos a pensar sobre a perda auditiva de outra maneira, porque este tipo de dano no nervo auditivo não pode ser restaurado facilmente com as tecnologias existentes, não basta apenas amplificar ou restaurar um sinal”, agrega.
Ademais, estes estudos têm outra série de implicações que vão mais além da saúde. Por exemplo, “a legislação de controle de ruído se baseia no fato de que os níveis de ruído não causem um dano clínico mensurável, mas estamos demonstrando que existem danos que não são detectáveis clinicamente. Provavelmente esta linha de pesquisa conduzirá a uma revisão sistemática e profunda das medidas de prevenção e proteção ao ruído”, afirma.