Science Brazil Campinas, Brasil, Thursday, November 22 of 2012, 18:16
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A Comissão da Verdade: um debate necessário

A lei da Anistia não gera reparações, a tortura não aparece, os crimes não estão na lei e a impunidade está garantida.

Meghie Rodrigues, de Águas de Lindóia/ComCiência/Labjor/DICYT A discussão sobre direitos humanos é atemporal e teve espaço para ser pensada no 36º encontro da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais) em vários momentos. Um deles foi a mesa que reuniu o ex-ministro da Justiça e presidente da Comissão Municipal de Direitos Humanos de São Paulo (CMDH-SP) José Gregori, a pesquisadora em Direitos Humanos da Unicamp Glenda Mezarobba, o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e diretor do Instituto Cidadania Paulo Vannuchi e o advogado Rubens Naves. Na pauta, a Comissão da Verdade – tema que merece ser debatido, rediscutido, aprofundado e observado com minúcia e insistência – que por ora está nas mãos da presidenta Dilma levar para frente e, ao sancionar a lei que instaura a Comissão da Verdade no ano passado, mostra que é um assunto a que pretende dar atenção. Trata-se de um tema espinhoso que, como outros que orbitam ao redor dos direitos humanos, pode ser bastante doloroso, porém necessário na mesma medida.

 

Um consenso entre os participantes é o que resumiu Paulo Vannuchi. Ele lembrou que “a Comissão da Verdade é um assunto de Estado, não de governo” e portanto está acima dos interesses e paixões partidário-eleitorais. Glenda Mezarobba, ao concordar com a afirmação, reiterou que “a informação do Estado não pode ser usada em benefício próprio, mas da coletividade”, avalizada por um processo transparente que fortalece a democracia. A pesquisadora contrasta a Comissão da Verdade e o processo de anistia de 1979, levado a cabo pelo governo de João Figueiredo – que, como lembrou, foi uma tentativa de encerrar a discussão e dar liberdade aos violadores dos direitos humanos. “A lei da Anistia não gera reparações, a tortura não aparece, os crimes não estão na lei e a impunidade está garantida”, reitera. E acrescenta que “a criação da Comissão pode mostrar que o uso da violência na ditadura foi uma opção, não era algo natural” e também pode contribuir para resgatar a dignidade das vítimas e criar um espaço onde os envolvidos possam “contar suas verdades e construir a verdade do período”.

 

O ex-ministro Paulo Vannuchi defendeu que violadores sejam punidos. No entanto, afirmou que “punição não é prisão”, mas “impedir que exerçam cargos públicos e militares”. O advogado Rubens Naves lembrou que, nesse sentido, “é necessário o resgate do conjunto de ideias e projetos que se faz presente na observância dos direitos humanos” e questiona os crimes contra a humanidade que prescreveram com o passar do tempo – o que representa um retrocesso.

 

O papel da academia também teve destaque na discussão: não apenas por sua capacidade reflexiva em debates que contribuem para o fortalecimento da democracia e dos direitos humanos, como lembraram José Gregori e Rubens Naves, mas por ser um potencial motor de mudança. Vanucchi propôs que as universidades criem suas próprias Comissões da Verdade para investigar violações e crimes que aconteceram nos campi no período da ditadura – um dos pontos altos do fim da sessão.

 

A professora da Unicamp Maria Filomena Gregori, coordenadora do simpósio, também lembrou que é interessante levar outras variantes em conta na análise – aspectos como etnia e gênero. Quanto a este, Filomena disse que “há aspectos relacionados a gênero que tem a ver com formas de humilhação e sofrimento específicos que precisam ser levados em conta na Comissão da Verdade – e vão ser tratados porque já existem trabalhos nesta direção”.

 

O 36o encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais é o maior encontro de pesquisa em ciências sociais do Brasil. Este ano, ocorreu em Águas de Lindóia, de 21 a 25 de outubro.