Nutrition Brazil Campinas, Brasil, Monday, July 02 of 2012, 09:43
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Equidade de gênero e direitos reprodutivos merecem debate na Rio+20

Desenvolvimento sustentável significa a construção de um mundo onde as mulheres e os homens possam implantar completamente seus potenciais

ComCiência/ LabJor/ Unicamp/ Campinas/DICYT Por Maria Teresa Manfredo A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que ocorre no Rio de Janeiro - a Rio+20, que se iniciou no dia 13 e se encerra no dia 22 de junho - tem como temas centrais o desenvolvimento sustentável, a economia verde e inclusiva e a erradicação da pobreza. Porém, segundo os demógrafos Suzana Cavenaghi e José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence-IBGE), é impossível resolver os problemas do desenvolvimento e do meio ambiente sem discutir como eles se relacionam com a dinâmica populacional e com as desigualdades de gênero e direitos reprodutivos nas diversas sociedades.

 

Nas ciências sociais, o termo gênero se refere ao conjunto de relações, papéis, crenças e atitudes que definem o que significa ser mulher ou homem na vida social. Os atributos e papéis relacionados ao gênero não são determinados pelo sexo biológico. Eles são construídos histórica e socialmente e podem ser transformados. As relações de gênero, quando desiguais, tendem a aprofundar outras desigualdades sociais e a discriminação de classe, raça, casta, idade, orientação sexual, etnia, deficiência, língua ou religião, dentre outras. E se refletem nas leis, políticas e práticas sociais, assim como nas identidades, atitudes e comportamentos das pessoas.

Em artigo intitulado "Equidade de gênero e direitos sexuais e reprodutivos: implicações para a sustentabilidade e a erradicação da pobreza", Cavenaghi e Alves explicam que desenvolvimento sustentável significa a construção de um mundo onde as mulheres e os homens possam implantar completamente seus potenciais e repartirem as tarefas do mundo produtivo, sem discriminações ou violências de gênero. Desenvolvimento sustentável não pode ser sinônimo de consumismo e de continuidade de um modelo de produção que produz inequidades sociais, agride a biodiversidade e contribui para a extinção das espécies.

Fecundidade, pobreza e meio ambiente

A relação entre saúde reprodutiva, pobreza e fecundidade geralmente se dá de maneira inversa em relação ao que considera o senso comum. Este prega que a educação das mulheres (especialmente de países pobres) é a solução para que elas tenham menos filhos, e isto, por si só, reduziria a pobreza de um país ou mesmo do mundo.

Porém, já é um consenso na demografia que um país se mantém no círculo vicioso da pobreza quando, do ponto de vista macroeconômico, existem baixos níveis de investimento em educação e saúde pública, altas taxas de mortalidade infantil, elevada violência e insegurança pública, baixa esperança de vida, reduzido tempo de vida dedicado ao trabalho produtivo, pouco investimento em infraestrutura e baixos investimentos em setores produtivos, ciência e tecnologia etc.

Portanto, para a demografia, as mulheres pobres não são as culpadas pela pobreza ou pelos problemas ambientais. Isso porque os problemas ambientais ou o círculo macroeconômico que gera a situação de pobreza não são um mero problema de crescimento populacional. Além do que, não está somente nas mãos das mulheres conter o crescimento da população (pois para se gerar um filho é necessário também a participação de um homem).

Assim, considerar o que diz ou senso comum (as mulheres pobres são as grandes culpadas pela pobreza e crescimento da população, e, logo, pela degradação ambiental), ou mesmo desconsiderar o debate sobre e direitos sexuais e reprodutivos em decisões sobre sustentabilidade ambiental é continuar reproduzindo desigualdades de gênero, e isso se reflete, inclusive, em políticas públicas.

“O resultado é que recai sobre as mulheres o dever de regular a fecundidade e limitar o tamanho da prole para atender à nova lógica das demandas do sistema econômico, mas o Estado não oferece adequadamente os meios para efetivar a autodeterminação reprodutiva e possibilitar uma vida sexual livre, prazerosa e sem doenças sexualmente transmissíveis.”, destacam Cavenaghi e Alves.

Estes demógrafos acreditam que os direitos humanos e ambientais precisam ser abordados de maneira conjunta, a partir do entendimento que são direitos inalienáveis, universais e indivisíveis. Dessa forma, ter acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva é fundamental para se atingir o tamanho ideal de família, rompendo uma das facetas do círculo da pobreza. “O fim da pobreza é um dos aspectos essenciais da sustentabilidade ambiental. Do ponto de vista teórico, já existe consenso sobre o que fazer. Porém, os governos e as conferências internacionais precisam de menos discursos, e mais ações práticas.”, argumentam.

A Rio+20 não pode deixar de agendar propostas efetivas sobre para se atingir a equidade de gênero em todas as esferas da nossa sociedade: controle sobre os recursos; acesso à Justiça; representação política institucional equilibrada; participação paritária de gênero na tomada de decisões em todos os níveis; e participação na gestão local e das comunidades.

O artigo de Cavenaghi e Alves faz parte do livro recém-lançado População e sustentabilidade na era das mudanças ambientais: contribuições para uma agenda brasileira, sob edição do demógrafo George Martine. Concebido pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep), o livro reúne artigos que apresentam perspectivas diferenciadas e abordam uma grande variedade de temas em que a dinâmica demográfica interage com processos de desenvolvimento para alterar a trajetória das mudanças ambientais. As discussões variam da economia verde e do consumo à saúde; das relações entre gênero e meio ambiente ao futuro do transporte; da ocupação de espaços novos e do desmatamento à crise urbana; do novo Código Florestal à usina hidroelétrica de Belo Monte.

Na última edição da revista científica Nature, temática sobre a Rio+20, pesquisadores da Universidade Stanford (EUA), defenderam a igualdade de gênero para diminuir o aumento populacional. Os autores sugeriram que os governantes aproveitem a Rio+20 para discutir a ampliação do planejamento familiar e do acesso a métodos anticoncepcionais.