Modelo de intestino permite testar alimentos funcionais
Cristina G. Pedraz/DICYT O Grupo de Pesquisa da Universidade de Valladolid orientado por Tomás Girbés, catedrático de Nutrição e Bromatologia, desenvolveu um modelo de intestino de rato que permite estudar as propriedades dos alimentos funcionais, aqueles cujos componentes, além de cobrir a nutrição básica, produzem benefícios para saúde. O modelo reproduz um intestino enfermo e possibilita analisar de forma seqüencial a três partes, o intestino delgado, o grosso e as vilosidades intestinais.
A equipe de pesquisadores trabalha há 20 anos com uma proteína com atividade enzimática, a nigrina b (encontrada no sabugueiro), com grande potencial de aplicação no tratamento do câncer, da obesidade ou do estudo do envelhecimento. No entanto, observaram que a possibilidade mais “imediata” de aplicação se encontra na analise de alimentos funcionais, isto é, em comprovar “se existem compostos que aceleram a recuperação do tubo digestivo ou não”.
Girbés explica o funcionamento do modelo desenvolvido, único no mundo. “Tanto o estômago, como o intestino delgado, têm vilosidades e rachaduras, denominadas criptas. As células-mãe estão na base da cripta e produzem continuamente células que se diferenciam e migram para cima ou para baixo para reconstruir todo o intestino. A vida média destas células é de 24 a 36 horas, de maneira que o tubo digestivo de uma pessoa se renova aproximadamente em uma semana”.
A virtude da nigrina b é que, quando injetada em doses toleráveis, é capaz de destruir seletivamente células-mãe intestinais ou levemente diferenciadas sem afetar o resto do corpo. Transcorridas 24 horas, a proteína produz uma degradação das criptas do intestino delgado, sem perturbar as vilosidades, e após três dias origina danos também no intestino grosso. “Após três dias as criptas se recuperam e continuam produzindo células diferenciadas, o que permite após sete ou oito dias a regeneração total do intestino”, destaca o especialista.
Efeitos reversíveis
A principal virtude do sistema, como detalha Tomás Girbés, é esta capacidade de regeneração, seu caráter reversível. Esta propriedade diferencia o modelo desenvolvido pela Universidade de Valladolid de outros sistemas com efeitos semelhantes, baseados no emprego de substâncias químicas, mais agressivas. “Estes compostos produzem colitis ulcerosa e provocam efeitos irreversíveis. Ademais, devem ser adicionados in situ ao animal”, afirma o pesquisador.
O objetivo final é comprovar as virtudes de alimentos qualificados como prebióticos (aqueles que estimulam o crescimento de bactérias benéficas no reto) ou probióticos (os que contêm microorganismos que potencializam o sistema imunitário), que deveriam acelerar a recuperação do tubo digestivo. O especialista cita como exemplo o caso das fibras. “As fibras provocam um aumento na consistência das fezes e um efeito arrastão. Se o intestino está enfermo, de duas uma, ou aumenta o prejuízo ou, alternativamente, previne a apoptose (morte celular programada) e mantém as vilosidades intactas”.
Ainda assim, pode-se determinar o efeito da fibra após a ingestão de medicamentos que afetam o tubo digestivo, o que ainda não foi comprovado. Nesse sentido, o modelo que emprega produtos químicos origina uma inflamação no reto, o que também “proporciona o surgimento de outros sinais hormonais como citoquinas, que alteram o padrão de comportamento do tubo digestivo”. Uma das hipóteses do grupo reside em que o chá verde, os polifenóis do vinho ou da semente de uva, poderia acelerar a recuperação intestinal. “Os primeiros dados obtidos indicam esse caminho”, alega o catedrático. O futuro Centro de Pesquisa em Nutrição, Alimentação e Dietética, dirigido por Girbés, aprofundará estas linhas.
Outras aplicações da nigrina b
A nigrina b tem múltiplas aplicações. Uma delas é o estudo da obesidade. “Se consigo alterar o tubo digestivo, posso modificar a absorção de medicamentos, de vitaminas ou de alimentos.” Na mesma linha, o grupo colabora com outra equipe cientifica do Campus de Soria na análise da absorção de metais. A importância desse trabalho reside em que um dos problemas associados ao envelhecimento é a absorção de metais, entre eles o cálcio.
“Seria importante reproduzir o dano no tubo digestivo de idosos em função do tratamento, tendo em conta que normalmente apresentam problemas de polifarmácia e, concretamente, tomam antiinflamatórios para os ossos”, conclui o pesquisador. Por outro lado, afirma que para estudar o envelhecimento em animais “é muito importante ter um modelo que possa eliminar de maneira seletiva a célula mãe ou a diferenciada, porque é possível que não existam tantas células-mãe no indivíduo velho e que a nigrina não produza efeito”, agrega.