Technology Brazil Campinas, São Paulo, Wednesday, January 05 of 2011, 14:21

Mapas para navegar

Atualmente, a cartografia utiliza diversas tecnologias, como satélites e plataformas aéreas de sensoriamento remoto, dentre outros

Márcio Derbli/ComCiência/Labjor/DICYT - Da pré-história até os dias atuais, os mapas têm sido usados pelo homem para representar o espaço onde vive e ajudá-lo a encontrar o seu caminho. Os grandes deslocamentos realizados pelos humanos valeram-se de mapas e dos conhecimentos cartográficos que foram sendo conquistados ao longo do tempo. Nas viagens marítimas e aéreas, os mapas produzidos com o auxílio dos cartógrafos são essenciais para a construção das cartas de navegação, que orientam os pilotos sobre as rotas, obstáculos e todas as informações necessárias para navegação e voos seguros.

 

Desde o mundo clássico, a cartografia vem evoluindo e foi fundamental para a realização das grandes navegações do século XV. A conhecida Escola de Sagres, criada em Portugal pelo Infante D. Henrique, foi importante para a sistematização dos conhecimentos cartográficos daquela época. A ideia de que ela fosse um centro que agrupasse sábios em geografia, astronomia e cartografia, contudo, é controversa. Não existem evidências históricas que comprovem a existência de uma instituição acadêmica propriamente dita, mas é inegável a importância das contribuições dos navegadores e estudiosos que se reuniram em Sagres.

 

As inovações surgidas nessa época, apoiadas pelos conhecimentos cartográficos e astronômicos, revolucionaram as técnicas de navegação empíricas até então utilizadas, quando a orientação se dava exclusivamente pela localização das estrelas ou pelo conhecimento do regime dos ventos (cerca de 1.200 a.C.) ou com o uso das cartas e tábuas náuticas (a partir do século II d.C.). No século XVIII, os navegantes já utilizavam a orientação por latitudes e longitudes, o que possibilitava maior precisão na determinação de posições no mar. Tanto a navegação marítima como a aeronáutica servem-se de cálculos de posição estimada além de outros instrumentos, como radares e sonares (do inglês sound navigation and ranging, ou “navegação e localização pelo som”).

 

Atualmente, a cartografia utiliza diversas tecnologias, como satélites e plataformas aéreas de sensoriamento remoto, sistemas de varredura a laser, sistemas de posicionamentos globais por satélites, plataformas inerciais, sistemas computacionais de processamento de imagens, estações topográficas eletrônicas, dentre outros. Essas ferramentas têm acelerado a produção cartográfica atual e grande parte delas é utilizada no Brasil.

 

Segundo o professor Marcos Timbó, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a cartografia é uma mistura de ciência, arte e técnica. “A cartografia é ciência por utilizar o apoio científico da astronomia, da matemática, da física, da geodesia e da estatística, dentre outras ciências, para alcançar exatidão satisfatória. A cartografia é arte, quando recorre às leis estéticas da simplicidade e clareza para se aproximar do ideal artístico da beleza na representação dos diversos temas vinculados ao espaço geográfico. Suas aplicações atuais se estendem a todas as áreas que lidam com recursos e informações com distribuição sobre o espaço geográfico. Mapeamento em geral, navegação, engenharia, arquitetura, geologia, pedologia e mineração são alguns dos inúmeros exemplos de áreas às quais a cartografia dá suporte”, ensina o pesquisador.

 

Cartografia aeronáutica

Na aviação, os pilotos utilizam dois tipos de cartas de navegação: as de navegação visual, ou Visual Flight Rules (VFR) e as de navegação por instrumentos ou Instrument Flight Rules (IFR). As primeiras são utilizadas quando os pilotos se orientam pelas referências visuais do solo, enquanto as segundas formam um sistema composto por cartas de planejamento de voo, de rotas, de aeródromo, entre outras, totalizando onze tipos de cartas.

Na construção das cartas de navegação VFR, é necessário utilizar uma carta topográfica completa com grande detalhamento da planimetria (representação do espaço em um plano) e da altimetria (representação do relevo do solo), para servir de base à sobreposição e integração das informações de navegação aérea. Essas cartas topográficas não são mapas, mas representações em escala dos acidentes naturais e artificiais da superfície, como montanhas ou prédios, e são produzidas, no Brasil, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


As fases de construção de uma carta topográfica incluem imagens aéreas feitas por aviões ou satélites, a marcação de pontos para os cartógrafos digitalizarem a imagem e a coleta dos nomes que irão constar na carta. Após esses procedimentos, é feita a reconstrução do modelo tridimensional do terreno a partir das imagens e a extração dos elementos de planimetria e altimetria para construção do mapa base a partir do modelo tridimensional. “Boa parte das informações de navegação que são integradas à base topográfica também precisam ser levantadas por meio de métodos e instrumentos cartográficos, como GPS, estações topográficas eletrônicas, técnicas de fotogrametria etc”, explica Timbó. Outra parte da informação de voo é produzida pela própria dinâmica do ambiente aeronáutico, mas são incorporadas às cartas VFR (e também nas IFR) por modernos métodos e técnicas cartográficas digitais.

 

As cartas VFR são muito similares às cartas topográficas produzidas pelo IBGE e não demandam atualização frequente, porque as alterações são menores. Por outro lado, as IFR (de navegação por instrumento) precisam de atualização regular, pois contêm mais informações aeronáuticas do que topográficas e a dinâmica de mudanças dessas informações – como surgimento de obstáculos artificiais, criação de novas aerovias, interdição de espaços aéreos, obras em aeródromos, instalação, manutenção ou desativação de equipamentos de auxílio à navegação – é muito maior.

 

O traçado das rotas aéreas (ou aerovias), entretanto, não é definido pela cartografia – embora sejam utilizados os instrumentos, os métodos e as ferramentas cartográficas. A definição é feita com base em regras e procedimentos recomendados pela Organização de Aviação Civil Internacional (OACI) e por outros organismos de aviação. O estabelecimento das aerovias é orientado pelo planejamento e gestão do espaço aéreo e as necessidades específicas de cada região embasam a criação de novas rotas.

 

No Brasil, o órgão responsável pelo planejamento e execução das atividades relacionadas à cartografia aeronáutica é o Instituto de Cartografia Aeronáutica (ICA), que é subordinado ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea). O ICA produz as cartas VFR e IFR, seguindo as normas internacionais como, por exemplo, a que determina a necessidade de atualização das informações.

 

A qualidade das cartas de navegação produzidas no país depende da precisão das cartas topográficas. O Brasil, por sua extensão e pela grande quantidade de dados topográficos necessários para compor uma carta topográfica básica, ainda trabalha com cartas de navegação inadequadas em alguns locais. Ou seja, territórios com a cartografia básica deficiente, incompleta, desatualizada ou até mesmo inexistente. “Como grande parte da base topográfica para as cartas IFR/VFR é obtida a partir de cartografia já existente, os problemas na cartografia base são repassados para as cartas aeronáuticas. Nesse caso, se forem tomados os cuidados necessários e seguidas as normas técnicas, a carta aeronáutica derivada, no máximo, manterá a mesma precisão da base original”, afirma Timbó. Segundo ele, a solução para a melhoria da precisão seria ampliar a capacidade de instrumentos geradores de dados cartográficos básicos e fornecer os dados para os produtores das cartas. Para isso, é necessário investimento em mão de obra, tecnologia e processo.

 

O professor da UFMG cita como exemplo a contribuição do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que implementa programas de imageamento e coleta de dados por satélites e disponibiliza os dados livremente, além de desenvolver e disponibilizar ferramentas e plataformas de softwares para uso cartográfico desses dados. Os sistemas de sensoriamento remoto e os satélites são dispositivos com alto custo e é importante o controle dos processos. Projetos como o satélite sino-brasileiro CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite) têm sido importantes para o desenvolvimento da cartografia.

 

Mas é preciso continuar investindo. “Qualquer atraso nos programas nacionais de coleta e tratamento de dados em grande escala prejudicam o desenvolvimento da cartografia, cuja demanda tem sido cada vez mais dinâmica em diferentes atividades. Portanto, o projeto CBERS, seus desdobramentos e seus desenvolvimentos futuros são instrumentos muito importantes para uma cartografia nacional forte e dinâmica”, conclui Timbó.