Algumas microalgas sobrevivem em águas contaminadas por urânio
José Pichel Andrés/DICYT Algumas microalgas conseguiram adaptar-se e sobreviver às condições extremas de reservatórios de mineração que apresentam níveis elevados de urânio e outros metais pesados, procedentes da contaminação provocada pelas minas abandonadas da província de Salamanca, conforme um artigo publicado na revista científica Aquatic Toxicology por pesquisadores do Instituto de Recursos Naturais e Agrobiologia de Salamanca (IRNASA) e da Universidade Complutense de Madrid. Um dos aspectos mais importantes desta descoberta é que as microalgas são capazes de acumular o urânio e poderiam ser usadas para descontaminar estas águas.
“Apesar de serem águas com muita radioatividade e quimiotoxicidade, devido ao urânio e a outros metais pesados, contém vida”, afirma Mariano Igual, pesquisador do IRNASA, em declarações à DiCYT. “Os seres vivos se adaptam e colonizam todos os ambientes, a única diferença é que este é extremo e nele existe menos diversidade”, agrega.
Os cientistas estudaram também outras formas de vida destes lagos artificiais, como as bactérias, mas o primeiro resultado é um artigo sobre as microalgas devido ao interesse que os cientistas da Universidade Complutense possuem neste campo e, particularmente, nos ambientes extremos. Especificamente, foram isoladas algas unicelulares do gênero Chlamydomonas. “São espécies comuns em águas não contaminadas, mas uma única mutação, que ocorre com baixa frequência, permitiu colonizar este ambiente”, indica o pesquisador.
As águas estudadas pertencem a uma área de mineração restaurada para recuperar o ambiente. Ainda que os lagos artificiais criados estejam contaminados por metais pesados, não representam nenhum perigo para o ser humano, conforme os especialistas, porque estão isolados e submetidos a um controle exaustivo.
Em todos os casos, a concentração de urânio é muito elevada. Enquanto em águas normais existe menos de 1 ppb (partes por bilhão), aqui são registradas entre 25 e 100 ppm (partes por milhão), isso é, 25.000 e até 100.000 vezes maiores.
“É uma contaminação extrema com relação aos conteúdos geoquímicos normais das águas superficiais”, indica Antonio García Sánchez, outro pesquisador do IRNASA que participou do estudo. Somente a vida microscópica adaptou-se a estas condições extremas, enquanto os organismos superiores (peixes, anfíbios, aves…) estão ausentes. A poucos quilômetros, em águas não contaminadas que serviram como controle, foi possível encontrar mais de 20 espécies de microalgas.
Além da pesquisa sobre microalgas, também será revelado em breve um estudo metagenômico da diversidade de bactérias presente nestas águas. Os níveis de urânio e o baixo pH unidos às características geográficas determinam também neste caso o tipo de vida que pode ser encontrada nestas condições extremas. “A localização geográfica também influi na estrutura das comunidades microbianas que podem ser encontradas”, indicam os especialistas.
Outras áreas de mineração
Neste sentido, o próximo objetivo desta linha de pesquisa será estudar outras áreas de mineração de urânio abandonadas da península ibérica, presentes na Extremadura e em Portugal, na zona de Guarda, próxima à fronteira. As características geográficas, climatológicas e litológicas são tão distintas que é muito provável que a vida microscópica existente também varie notavelmente. “Em Salamanca, as minas estão em zonas de xisto, enquanto Portugal e Extremadura estão em zonas de granito. O clima também é diferente, em Guarda o clima é muito mais úmido e em Extremadura é seco, mas não sabemos como estes fatores podem influir”, comentam os cientistas.
Em todos os casos, estas minas são autênticos laboratórios naturais para realizar análises físico-químicas e microbiológicas que aportam informação útil. Neste sentido, além do conhecimento científico, a pesquisa pode ter aplicações práticas, já que as microalgas têm a capacidade de adsorver metais pesados e, quando se encontram exemplares que podem sobreviver em condições extremas, podem se converter em uma solução para descontaminar as águas.
Contudo, antes os estudos devem determinar se vale a pena utilizar este método. De momento somente é uma possibilidade, mas se as microalgas puderem crescer e acumular os contaminantes, poderiam ser retidas para reduzir o nível de urânio.
Referência bibliográfica
García-Balboa, C.; Baselga-Cervera, B.; García-Sanchez, A.; Igual, J.M.; Lopez-Rodas, V.; Costas, E. 2013. Rapid adaptation of microalgae to bodies of water with extreme pollution from uranium mining: An explanation of how mesophilic organisms can rapidly colonise extremely toxic environments. Aquatic Toxicology, 144–145: 116–123.